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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Não ameis a distância ♥

Em uma cidade há um milhão e meio de pessoas,
em outra há outros milhões;
e as cidades são tão longe uma
da outra que nesta é verão quando naquela é inverno.
Em cada uma dessas cidades há uma pessoa,
e essas pessoas tão distantes acaso
pensareis que podem cultivar em segredo,
como plantinha de estufa, um amor a distância?
Andam em ruas tão diferentes e passam o
dia falando línguas diversas;
cada uma tem em torno de si uma presença
constante e inumerável de olhos, vozes, notícias.
Não se telefonam mais; é tão caro e demorado e
tão ruim e além disso, que se diriam?
Escrevem-se.
Mas uma carta leva dias para chegar;
ainda que venha vibrando, cálida,
cheia de sentimento,
quem sabe se no momento em que é lida já
não poderia ter sido escrita?
A carta não diz o que a outra pessoa está sentindo,
diz o que sentiu a semana passada...
e as semanas passam de maneira assustadora
os domingos se precipitam mal começam as noites de sábado,
as segundas retornam com veemência gritando
- "outra semana!" e as quartas já tem um gosto de sexta,
e o abril de de-já-hoje é mudado em agosto...
Sim, há uma frase na carta cheia de calor,
cheia de luz; mas a vida presente é
traiçoeira e os astrônomos não
dizem que muitas vez ficamos
como patetas a ver uma linda
estrela jurando pela sua existência
e no entanto há séculos ela se apagou na 
escuridão do caos,
sua luz é que custou a fazer a viagem?
Direis que não importa a
estrela em si mesma,
e sim a luz que ela nos manda;
e eu vos direi:
amai para entendê-las!
Ao que ama o que lhe importa não é a luz nem o som,
é a própria pessoa amada mesma, sua terna e
úmida presença carnal, o imediato calor;
é o de hoje, o agora,
o aqui e isso não há.
Então a outra pessoa vira retratinho no bolso,
borboleta perdida no ar, brisa que a 
testa recebe na esquina,
tudo o que for eco, sombra, imagem, 
um pequeno fantasma, e nada mais.
E a vida de todo dia vai gastando 
insensivelmente a outra pessoa,
perdendo seu poder emissor a distância.
Cuidai amar uma pessoa,
e ao fim vosso amor é um maço de cartas e
fotografias no fundo de uma
gaveta que se abre cada vez menos...
Não ameis a distância, não ameis, não ameis!

Rubem Braga